Para os professores da E.E. Pe. José Gonçalves de Souza













Colegas professores,

Conforme combinamos na Oficina Pedagógica do dia 11/09/2010, estou postando um esqueleto da apresentação e algumas informações que considero importantes para a compreensão do assunto.
Espero que isso lhes seja útil.
Aproveitando o ensejo, agradeço-lhes pela atenção e pela presença (tão bem- vinda!) à nossa oficina pedagógica, onde socializamos saberes e sonhos!
Valeu, MUITO!
OBRIGADA!
Bernadete.

Roteiro da apresentação
.Tipos Textuais
(Sequências Tipológicas)
Domínios Discursivos: Jornalístico, Literário, Religioso, Político, etc.
Suporte Textual:lócus físico ou virtual com formato específico que serve de base para textos.

Tipos Textuais
1- Tipo Narrativo: Apóia-se em fatos, personagens, tempo e espaço. Relata movimento.

2- Tipo Descritivo: Enumera aspectos, físicos ou psicológicos, em simultaneidade. Nenhum dos fatos ou informações é necessariamente anterior ao outro.

3- Tipo Dissertativo:

Dissertativo expositivo: Apenas expõe ideias( a intenção é esclarecimento)
Ex: notícia, reportagem.
Dissertativo argumentativo: objetiva convencer o interlocutor sobre a validade das ideias expostas. Apresenta, portanto, argumentação ( a intenção é o convencimento).

4- Tipo Injuntivo: O tipo injuntivo nos posibilita pedir, convocar ou ordenar que o interlocutor faça alguma coisa( nem que seja prestar atenção em nossas palavras).
É muito comum no nosso dia a dia, embora pouco conhecido e nominado. Os vocativos podem ser exemplo de textos injuntivos: “ei, você aí!”, “Você pode me dizer as horas?”
Também ocorrem e são mais conhecidos em forma de ordem, usando o modo imperativo do verbo:” Não pise na grama”, “ Mantenha a tecla pressionada!”, etc.

5 Tipo Preditivo:caracteriza-se por predizer alguma coisa. Aparece nos textos de horóscopo, previsão de tempo, etc.

Sequência Tipológica

Vários tipos textuais podem conviver dentro de um mesmo Gênero, constituindo as sequências tipológicas.
Assim, um tipo textual é definido pela predominância das sequências tipológicas que apresentam, pelo tipo que mais se destaca, já que dificilmente um texto se realiza apenas com os padrões lingüísticos de uma só classificação tipológica.

Gêneros Discursivos:

“Qualquer manifestação de fala ou de escrita aparece emoldurada em um gênero. Está, portanto, condicionada à ação do sujeito de linguagem. Usamos a língua em gêneros, modelos de referência utilizados para agirmos em diferentes situações de uso da linguagem, nas diferentes esferas comunicativas. Por isso, a produção oral e a escrita de um gênero mobiliza: capacidade de ação (verificar quem é o interlocutor, os papéis discursivos envolvidos no evento comunicativo, dentre outras), capacidade discursiva (que efeitos pretende provocar, que modelos discursivos serão mobilizados?), capacidade lingüística discursivas (domínio de operações lingüísticas apropriadas ao gênero).”

Os Gêneros são maneiras de organizar as informações lingüísticas de acordo com a finalidade do texto.

Toda nossa comunicação se dá por textos. E todo texto, por sua vez, se realiza em um gênero.
Ex. de gêneros: carta, telefonema, e-mail, crônica, romance, poema, artigo de opinião, notícia, reportagem, panfletos, propaganda, aula expositiva,etc... (são ilimitados e podem sair de circulação ou podem aparecer novos gêneros de acordo com a necessidade social.)

É pelo desenvolvimento da competência sociocomunicativa que aprendemos a organizar e a identificar os diferentes gêneros discursivos.

Modos de Realização dos Gêneros discursivos

1-Literário ou Utilitário ( Verbal / Não Verbal / Multimodal)
Verbal ( oral ou escrito)
Não verbal ( usa outros símbolos; não usa palavras.)
Multimodal (usa palavras e outros símbolos associados.Ex.:cartaz com palavras e imagens.)

Modos Organizativos do Discurso

1- Discurso Polêmico: Apresenta o embate/ debate, mostrando prós e contras.
Ex: Defesa de tese, encaminhamento de posições políticas, etc.

2- Discurso Autoritário: Registra forte marca persuasiva.É o exercício de dominação pela palavra!
É um discurso exclusivista, como se alguém falasse para um auditório composto por ele mesmo. É comum o uso do imperativo.
Ex: fala do pai autoritário( faça o que eu digo e não olha o que eu faço!);
fala do padre ou pastor ( ...para que não conheçam a ira do Senhor!);
o apelo publicitário.

3- Discurso lúdico: Marcado pela polissemia, pela plurissignificação, pela poesia...
Ex: poemas, romances( Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa), etc.
Obs.: os modos organizativos do Discurso não são categorias autônomas, mas de dominância. Não são formas puras e sim Híbridas, existindo a predominância de uma sobre a outra.
Ex: O polêmico pode conter o lúdico,etc.
Ocorre que um dos níveis será DOMINANTE, sendo mais visível, portanto mais CARACTERIZADOR.

Persuasão no Discurso

Não existe discurso totalmente neutro. Ao analisarmos um discurso precisamos estar atentos para os fatores persuasivos ( de convencimento) e para as ideologias que o mesmo carrega.

É bom lembrar que as palavras em estado de dicionário vivem situação de neutralidade, mas se contextualizadas, passam a expressar valores e ideias, transmitindo um amplo leque de funções persuasivas e de convencimento.
Ex: Placa : “ RODOVIA CASTEL BRANCO a 2km”

Obs: Por que não rodovia João Goulart?
Castelo Branco foi o primeiro presidente do regime militar, comandou o golpe militar de 1964.

Ao fazermos essa reflexão histórica, podemos perceber que na designação da placa há mais do que uma simples referência.
Assim, as placas, como no exemplo, podem ser indicativas, mas não só, visto conotarem ideias e valores que ficam escondidos por trás de uma manifestação designativa de aparência.

Discurso Dominante ( formação discursiva)

Por trás do que falamos existem ideologias dominantes, às vezes pouco percebidas, outras nem sequer identificadas.

Nossas opiniões não são tão nossas como imaginamos.

Precisamos cuidar para não cairmos no discurso vazio.
( Leia o artigo da REVISTA NOVA ESCOLA – ano XXIII- n°218, dez/2008 – O blablablá da educação: expressões que os professores usam sem saber direito o que significam.)

Slogan

É um gênero discursivo que pode conter elevado grau de persuasão.
É ideal para exercitarmos a análise do discurso.
Um bom slogan contém entre 4 a 7 palavras gramaticais.

Ex: “ Nove entre dez estrelas do cinema usam lux.”

Tem seis palavras gramaticais. Abandona-se preposições e conetivos .
O raciocínio é lógico, formal e claro.
Premissa maior:As mais belas mulheres ( do cinema) usam LUX.
Premissa menor: Você é ( ou quer ser ) uma bela mulher.
Conclusão: Você deve usar lux, pois assim será tão bela quanto elas que “ emprestam” seus rostos para acompanhar o SLOGAN.
Coloquei “emprestam” entre aspas para lembrar que elas vendem sua imagem ( propaganda paga bem!) e nós compramos a ideia.
Percebe-se o uso de metáfora e hipérbole.
Assim, esse discurso aparentemente “inocente” se abre para duas realidades de forte pressão social:
EXCLUSÃO: Ninguém quer ficar com a única feia que não usa lux.
SIMBOLISMO: Culto do belo ( o convite à beleza soa como obrigação.)

Oficina Pedagógica

E.E. PE. José Gonçalves de Souza – Felixlândia – MG
Público Alvo: Professores
Data: 11/09/2010
Tema : Tipos textuais, gêneros discursivos e modos organizativos do discurso.
Assunto: Anúncios classificados/ anúncios literários e slogan.
Objetivos: Mostrar a diferença entre tipos textuais e gêneros discursivos, apresentando as formas organizativas do discurso e propondo formas de análise do mesmo que evidenciem ideologias e grau de persuasão.
Analisar textos literários e não literários, percebendo o lúdico e a polissemia em oposição ao sentido literal do signo lingüístico.
Produzir textos evidenciando compreensão e domínio das formas organizativas dos mesmos, percebendo –os como unidades de sentido no contexto em que circulam.

Roteiro/ Cronograma

1- Mensagem inicial motivacional: Texto de Rubens Alves ( Relacionamentos)- 20min
2- Dinâmica do Gatinho (sensibilização) Texto: Garotinho -10min
3- Exposição Dialogada do Tema ( por Bernadete) 40min
4- Lanche -20min
5- Oficina
5.1 – Atividades – 1h
5.2 – Apresentação/ socialização – 1h
6- Mensagem final e Avaliação – 30min.

Atividades propostas

1- Criar um slogan para o grupo. O mesmo poderá ter modo organizativo polêmico, lúdico ou autoritário e apresentar certo grau de persuasão implícito ou explícito.
2- Façam uma lista de objetos ou situações que incomodem vocês. Façam também uma lista de objetos, pessoas ou situações que vocês queriam para suas vidas.
Agora entrem em um consenso: querem vender ou trocar alguma coisa da primeira lista? Querem comprar ou procurar alguma coisa da segunda lista? ...
Fiquem à vontade, escolham o verbo que cabe e criem um anúncio literário( veja os exemplos nos cartazes). Pode ser em verso ou não, engraçado ou mais emotivo.
Lembre-se: O anúncio deve ser curto, até para causar impacto.
3 – Coloque o produto final num cartaz.

Roteiro de apresentação

1- Apresentar e explicar o slogan, identificando marcas de persuasão e características do modo organizativo a que pertence.
2- Apresentar o cartaz com o anúncio e comentar de forma sucinta o trabalho realizado.

Mensagem final e avaliação – Texto de Rubem Alves : A arte de provocar fome.

(Responsáveis pela Oficina: Bernadete Valadares e Marly Valadares)

Textos usados na oficina

1-O Garotinho

Uma vez um garotinho foi para a escola. Ele era bem um garotinho e a escola era bem grande, mas quando o garotinho viu que podia ir para a sua escola caminhando diretamente da porta de lá de fora, ele ficou feliz e a escola não parecia tão grande assim!
Numa manhã, quando o garotinho estava a pouco tempo na escola, a professora disse:
- Hoje nós vamos fazer um desenho.
- Bom! Pensou o garotinho.
Ele gostava de desenhar. Ele podia fazer todas as coisas: Leões e tigres, galinhas e vacas, trens e barcos... E pegou sua caixa de lápis e começou a desenhar. Mas a professora disse:
- Espere! Não é hora de começar! E ela esperou até que todos estivessem prontos.
- Agora nós vamos desenhar flores, disse a professora.
- Bom! Pensou o garotinho.
Ele gostava de desenhar flores. E começou a fazer bonitas flores. Com lápis rosa, laranja e azul, mas a professora disse:
- Esperem! Eu mostrarei como se faz!
E era vermelha, com a haste verde!... Então disse a professora:
- Agora vocês podem começar.
O garotinho olhou a flor da professora... Então olhou para a sua e... Bem, ele gostava mais da sua flor do que a da professora, mas ele não revelou isso. Ele apenas guardou seu papel e fez uma flor como a da professora. Era vermelha com a haste verde.
Outro dia, quando o garotinho abria a porta lá de fora a professora disse:
- Hoje nós vamos trabalhar com argila.
- Bom! Pensou o garotinho.
Ele podia fazer todos os tipos de coisas com argila como, cobras e bonecos de neve, elefantes e ratos, carros e caminhões... E começou a puxar e amassar a bola de argila. Mas a professora disse:
- Espere! Não é hora de começar! E ela esperou até que todos estivessem prontos.
- Agora nós vamos fazer uma travessa, disse a professora.
- Bom! Pensou o garotinho
Ele gostava de fazer travessa e começou a fazer algumas de diferentes tamanhos e formas.
- Esperem! Eu mostrarei como fazer uma travessa funda.
- Agora vocês podem começar.
O garotinho olhou para a travessa da professora... Então olhou para as suas e... Bem, ele gostava mais das suas do que a da professora, mas ele não revelou isso. Ele apenas amassou sua argila, numa grande bola e fez uma travessa como a da professora. Que era uma travessa funda. E logo o garotinho aprendeu a esperar e a observar, e a fazer coisas como a professora. E já não fazia as coisas por si mesmo ou como sonhava em fazer.
Aconteceu que o garotinho e sua família se mudaram para outra casa, numa outra cidade e o garotinho teve que ir para outra escola.
Essa escola era ainda maior do que a primeira. Ele tinha que subir alguns degraus e seguir por um corredor comprido para chegar à sua sala.
Justamente no primeiro dia que ele estava lá, a professora disse:
- Hoje nós vamos fazer um desenho.
-Bom! Pensou o garotinho.
E esperou pela professora para dizer-lhe o que fazer, mas ela não disse nada. Apenas andou pela sala e quando se aproximou do garotinho ela disse:
- Você não quer desenhar?
- Sim, disse o garotinho e perguntou:
- O que vamos fazer?
- Eu não sei até que você o faça, disse a professora.
- Como eu farei? Perguntou o garotinho.
- Por quê? Disse a professora, do jeito que você quiser.
- De qualquer cor? Perguntou ele.
- De qualquer cor, disse a professora. Se todos fizessem o mesmo desenho e usassem as mesmas cores, como eu poderia saber quem fez o que? E qual era qual?
- Eu não sei disse o garotinho. E começou a fazer uma flor vermelha com haste verde.
(Texto de Helen E. Buckley. Tradução de Regina Márcia da Glória Durães)

2- Relacionamentos - Rubem Alves - Presentation Transcript
1.
2.Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que, os casamentos (relacionamentos) são de dois tipos: Há os casamentos do tipo tênis e há os casamentos do tipo frescobol. Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa. Explico-me...

3.Para começar, uma afirmação de Nietzsche com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: Você crê que seria, capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice”? Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar

4.Sheerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme “O Império dos Sentidos”. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa sem fim, que deveria durar mil e uma noites

5.O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fosse música. A música dos sons ou da palavra - é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: ”Eu te amo

6.Barthes advertia: “Passada a primeira confissão, “eu te amo” não quer dizer mais nada. É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética”. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: “Erótica é a alma

7.O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir sua “cortada”, palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar.

8.O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro

9.O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la.

10.Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui, ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra, pois o que se deseja é que ninguém erre. E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos

11.A bola: são nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá...

12.Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde

13.Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem - cresce o amor... Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...

14.RUBEM ALVES é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp. Música: GRUPO SECRET GARDEN .

3-Rubem Alves: A arte de produzir fome
RUBEM ALVES
colunista da Folha de S.Paulo

Adélia Prado me ensina pedagogia. Diz ela: "Não quero faca nem queijo; quero é fome". O comer não começa com o queijo. O comer começa na fome de comer queijo. Se não tenho fome é inútil ter queijo. Mas se tenho fome de queijo e não tenho queijo, eu dou um jeito de arranjar um queijo..

Sugeri, faz muitos anos, que, para se entrar numa escola, alunos e professores deveriam passar por uma cozinha. Os cozinheiros bem que podem dar lições aos professores. Foi na cozinha que a Babette e a Tita realizaram suas feitiçarias... Se vocês, por acaso, ainda não as conhecem, tratem de conhecê-las: a Babette, no filme "A Festa de Babette", e a Tita, em "Como Água para Chocolate". Babette e Tita, feiticeiras, sabiam que os banquetes não começam com a comida que se serve. Eles se iniciam com a fome. A verdadeira cozinheira é aquela que sabe a arte de produzir fome...

Quando vivi nos Estados Unidos, minha família e eu visitávamos, vez por outra, uma parenta distante, nascida na Alemanha. Seus hábitos germânicos eram rígidos e implacáveis.

Não admitia que uma criança se recusasse a comer a comida que era servida. Meus dois filhos, meninos, movidos pelo medo, comiam em silêncio. Mas eu me lembro de uma vez em que, voltando para casa, foi preciso parar o carro para que vomitassem. Sem fome, o corpo se recusa a comer. Forçado, ele vomita.

Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com beijinhos e carinhos. Afeto, do latim "affetare", quer dizer "ir atrás". É o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado.

Eu era menino. Ao lado da pequena casa onde morava, havia uma casa com um pomar enorme que eu devorava com os olhos, olhando sobre o muro. Pois aconteceu que uma árvore cujos galhos chegavam a dois metros do muro se cobriu de frutinhas que eu não conhecia.

Eram pequenas, redondas, vermelhas, brilhantes. A simples visão daquelas frutinhas vermelhas provocou o meu desejo. Eu queria comê-las.

E foi então que, provocada pelo meu desejo, minha máquina de pensar se pôs a funcionar. Anote isso: o pensamento é a ponte que o corpo constrói a fim de chegar ao objeto do seu desejo.

Se eu não tivesse visto e desejado as ditas frutinhas, minha máquina de pensar teria permanecido parada. Imagine se a vizinha, ao ver os meus olhos desejantes sobre o muro, com dó de mim, tivesse me dado um punhado das ditas frutinhas, as pitangas. Nesse caso, também minha máquina de pensar não teria funcionado. Meu desejo teria se realizado por meio de um atalho, sem que eu tivesse tido necessidade de pensar. Anote isso também: se o desejo for satisfeito, a máquina de pensar não pensa. Assim, realizando-se o desejo, o pensamento não acontece. A maneira mais fácil de abortar o pensamento é realizando o desejo. Esse é o pecado de muitos pais e professores que ensinam as respostas antes que tivesse havido perguntas.

Provocada pelo meu desejo, minha máquina de pensar me fez uma primeira sugestão, criminosa. "Pule o muro à noite e roube as pitangas." Furto, fruto, tão próximos... Sim, de fato era uma solução racional. O furto me levaria ao fruto desejado. Mas havia um senão: o medo. E se eu fosse pilhado no momento do meu furto? Assim, rejeitei o pensamento criminoso, pelo seu perigo.

Mas o desejo continuou e minha máquina de pensar tratou de encontrar outra solução: "Construa uma maquineta de roubar pitangas". McLuhan nos ensinou que todos os meios técnicos são extensões do corpo. Bicicletas são extensões das pernas, óculos são extensões dos olhos, facas são extensões das unhas.

Uma maquineta de roubar pitangas teria de ser uma extensão do braço. Um braço comprido, com cerca de dois metros. Peguei um pedaço de bambu. Mas um braço comprido de bambu, sem uma mão, seria inútil: as pitangas cairiam.

Achei uma lata de massa de tomates vazia. Amarrei-a com um arame na ponta do bambu. E lhe fiz um dente, que funcionasse como um dedo que segura a fruta. Feita a minha máquina, apanhei todas as pitangas que quis e satisfiz meu desejo. Anote isso também: conhecimentos são extensões do corpo para a realização do desejo.

Imagine agora se eu, mudando-me para um apartamento no Rio de Janeiro, tivesse a idéia de ensinar ao menino meu vizinho a arte de fabricar maquinetas de roubar pitangas. Ele me olharia com desinteresse e pensaria que eu estava louco. No prédio, não havia pitangas para serem roubadas. A cabeça não pensa aquilo que o coração não pede. E anote isso também: conhecimentos que não são nascidos do desejo são como uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre de anorexia. Homem sem fome: o fogão nunca será aceso. O banquete nunca será servido.

Dizia Miguel de Unamuno: "Saber por saber: isso é inumano..." A tarefa do professor é a mesma da cozinheira: antes de dar faca e queijo ao aluno, provocar a fome... Se ele tiver fome, mesmo que não haja queijo, ele acabará por fazer uma maquineta de roubá-los. Toda tese acadêmica deveria ser isso: uma maquineta de roubar o objeto que se deseja.

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